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Crítica

J. Edgar: Duas Visões Opostas


O jornal “O Popular” publicou há alguns dias atrás uma crítica minha e outra do Leon Rabelo sobre o “J. Edgar”, do Clint Eastwood. Nossas opiniões foram opostas. Veja abaixo.

RETRATO COMPLEXO

Pedro Novaes

Para um dos homens maus mais importantes de todos o tempos, “J. Edgar” é um retrato à altura – complexo e ambíguo, como seria de se esperar de um diretor como Clint Eastwood.

Hoover, criador e diretor do FBI durante quase cinco décadas, sobreviveu a cinco mudanças presidenciais, essencialmente graças aos arquivos secretos que mantinha, com dados e gravações sigilosas de um número significativo de figuras públicas americanas.

Na esfera privada, ele manteve, durante boa parte de sua vida, uma relação gay, talvez não consumada, com seu vice, o agente Clyde Tolson, seu herdeiro e homem de confiança.

Uma biografia cinematográfica de Hoover era empreitada das mais arriscadas – a tentação de desenhar um monstro, grande demais, não descartada, igualmente, a possibilidade de santificá-lo (embora haja pouca gente hoje, mesmo nos EUA, que se disponha a defender seus métodos e seu legado). O roteiro de Dustin Lance Black, que com “Milk” e agora “J. Edgar” se afirma como um grande escritor de filmes biográficos, costura, entretanto, de maneira sólida a figura pública à vida privada, oferecendo-nos o retrato de um homem frágil e impiedoso, e ao mesmo tempo mau e profundamente humano, em suas fraquezas.

Num dos grandes momentos do filme, Hoover lê para Clyde Tolson (o ótimo Arnie Hammer) o texto de uma correspondência interceptada entre a primeira dama Eleanor Roosevelt e sua suposta amante, a jornalista Lorena Hickock. O roteiro e a mise-en-scéne magistral de Eastwood constroem um clima explicitamente ambíguo, onde o desejo erótico expresso na carta diz tudo sobre a relação entre os dois homens fortes do FBI.

A não-indicação de Leonardo di Caprio somar-se-á à lendária e imensa galeria de grandes injustiças do Oscar. Sua interpretação é soberba.

Há provavelmente quem vá dizer que o filme pega leve, dado o nível de perversão que movia a obsessão devassadora da intimidade alheia de Hoover, e que também peca por enfatizar a vida privada, não dando ao personagem seu lugar devido nos rumos da história americana. Pode ser verdade, mas para um personagem tão grande, talvez um filme não baste.

J EDGAR

Leon Rabelo

A 5ª ediçao da Mostra o Amor, a Morte e as Paixões está de parabéns. Graças à corajosa inciativa de seus realizadores – merecendo destaque os Cinemas Lumière, que segue como o principal espaço alternativo de cinema na cidade – o cinéfilo goianiense terá até o dia 9 de fevereiro um destacado repertório de filmes que usualmente precisam ser “alugados depois”, vistos fora daqui, baixados ou acessados por outras formas de contravenção.

Um dos filmes que mais expectativas criaram é “J Edgar”, última realização de Clint Eastwood, mas é uma pena que o filme decepciona, lembrando que também o veterano e querido Eastwood tem seus dias menos felizes.

O que deu errado em “J Edgar”? Os aspectos técnicos da produção estão dentro da eficiência previsível. A fotografia é bonita, a reconstituição de época competente. A atuação de Leonardo de Caprio tem a costumeira energia e dedicação, sendo que o pequeno e estelar elenco de apoio cumpre suas obrigações, talvez com certo sub-aproveitamento das geniais Naomi Watts e Judy Dentch. Mas é no miolo do filme que a coisa desanda, tendo Eastwood errado na constituição de seu personagem principal, J Edgar Hoover, o lendário diretor e fundador do FBI. O retrato desse notório canalha, guardador de arquivos secretos e escutas ilegais que amedrontavam seus contemporâneos, está tristemente fora de foco.

É engraçado como Clint Eastwood, hoje um dos maiores nomes do cinema norte-americano, e que já há vários filmes dá belas leituras da história contemporânea de seu país, parece primeiro ficar indeciso – e depois resolve mal – a relação entre a figura humana, ator político e personagem histórico de J Edgar Hoover. Por exemplo, quanto à temática sobre sua sexualidade: por mais que o assunto seja complexo, o filme deveria retratá-lo de modo mais corajoso e sem pudores. Fica-se com a sensação de que Eastwood, um dos durões mais famosos da história do cinema, se aproxima de Hoover com excessiva reverência e timidez. Em vez de complexidade, o filme fica no “mais ou menos”. O resultado é um filme arrastado e lento, que acaba não sendo nem político, nem pessoal.

Sobre Pedro Novaes

Diretor e Produtor de Cinema e Vídeo. Sócio da Sertão Filmes, produtora com base em Goiânia, Brasil.

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