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Crítica, Textos, Textos meus

O Sub Sam Mendes de Jodie Foster

Vou te contar uma história: um homem de meia idade tem depressão que se agrava há algum tempo; pai de dois filhos, casado com uma bem sucedida engenheira de montanhas russas, mas incapaz de superar sua doença, ele acaba chutado de casa pela mulher. Após uma patética tentativa frustrada de suicídio, esse homem estabelece uma estranha relação com um fantoche de castor, que ele passa a vestir todo o tempo, que o aconselha e acaba por tirá-lo da depressão. A família a princípio fica feliz com a súbita mudança do pai; o filho pequeno sobretudo desenvolve grande estima pelo castor; sua esposa entretanto, com o passar dos dias, passa a sentir aversão pelo fantoche, que está sempre junto com os dois, mesmo nos momentos mais íntimos.

É um argumento interessante, não? Se eu fosse um produtor executivo e um roteirista me apresentasse a ideia acima, eu diria “Isso soa interessante. Siga em frente. Desenvolva”.
Mas entre um bom argumento e um filme na tela há um roteirista e um diretor.

Por ser diretor, acho que acabo sendo generoso na análise de filmes. Busco sempre entender os motivos que levaram os realizadores a essas ou aquelas escolhas e tendo a ser benevolente e perdoar equívocos por entender que a linguagem cinematográfica é traiçoeira e por crer que aos poucos vamos aprendendo com nosso erros.

Em função disso, quando vejo um filme como “Novo Despertar” (não vamos nem discutir esse título brasileiro para o original “The Beaver”), cujo argumento é o do primeiro parágrafo desse texto, minha sensação é de paralisia. Fico sem saber o que pensar e gaguejo porque não sei o que dizer.
Como é possível algo tão equivocado e cheio de decisões erradas, um filme tão ruim a partir de um ponto de partida que poderia ser interessante?

A ideia é boa. Coloque isso na mão de um Spike Jonze ou um Michel Gondry e é bastante possível que o resultado seja algo inusitado, surpreendente e impactante. Com Jodie Foster e um Mel Gibson mais canastrão que nunca, ao contrário, o resultado é constrangedor.

Para que um argumento assim, estruturado como melodrama, resulte interessante, é preciso evidentemente virar o gênero do avesso – esforços de superação devem ser frustrados, a família, longe de abrigo seguro, precisa ser retratada com ambiguidade, o romance deve ficar latente, não se realizando, etc.

Mas esse gênero é um imã de cujos ardis é virtualmente impossível a uma diretora criada dentro de grandes estúdios escapar. Todas as vezes em que ela ensaia tentar algo inesperado, o resultado é risível porque gera um monstro: melodrama com cara de pastelão.

Num certo momento, por exemplo, angustiado pela dominação que o castor agora tem sobre sua vida, Black resolve serrar a própria mão – algo que, em outra situação, poderia ser uma inesperada reviravolta na história, mas que nesse caso resulta absolutamente canhestro e bizarramente cômico, sobretudo porque não anuncia a salvação do personagem ou uma virada para a comédia na trama, mas a loucura definitiva de Walter Black.

Procurando ser generoso com o filme, a despeito de que ali o desastre já fosse completo, li o acontecido, no calor do momento, como uma tentativa de incursão pelo fantástico, quando na verdade o episódio anunciava mais uma volta no torniquete do mesmo moralismo já velho conhecido. Ele estava pagando pelos seus pecados. Só isso.

Sam Mendes – e eu gosto sinceramente de Beleza Americana – já não tem muito sucesso nas suas tentativas de usar o melodrama para criticar a família americana. A coisa em geral começa bem, mas sempre derrapa e capota. A diferença no caso de Jodie Foster é que seu filme é uma capotagem só do começo ao fim.

Curiosamente, numa mesma semana vi o melhor e o pior filme do ano até aqui – Melancolia, de Lars Von Trier , e “Novo Despertar” – e os dois versam sobre o mesmo tema – a depressão. Os dois fazem de certa forma a mesma crítica – da anomia como origem desse mal -, mas com resultados diametralmente opostos.

Nota: 1/5

Em cartaz no Cine Lumiére Bougainville.

Sobre Pedro Novaes

Diretor e Produtor de Cinema e Vídeo. Sócio da Sertão Filmes, produtora com base em Goiânia, Brasil.

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