Uma das armadilhas que se coloca no caminho de todo roteirista reside no engano de tomar a verossimilhança como critério de julgamento daquilo que se escreve.
Como espectadores, não avaliamos um filme com base em sua verossimilhança – ou melhor, se chegamos a fazê-lo, é certo que a narrativa padece de problemas anteriores e mais profundos.
Quem se senta na poltrona de uma sala de cinema chega de mente e coração abertos. Pagamos para nos emocionarmos e nos divertirmos. Por isso, estamos dispostos a acreditar em praticamente qualquer coisa que nos for mostrada, desde que se respeitem certos limites e nos dêem aquilo que procuramos, isto é, sentido, vidas em miniatura para as quais possamos olhar e ver algo de nós refletido.
Dadas essas condições, cumpridos os termos desse acordo, a verossimilhança não tem importância nenhuma.
Um filme não precisa guardar relação direta com as aparências da vida real, somente com sua essência. Não se trata, portanto, de ter que parecer com o mundo real, sob pena de reprovação – até porque qualquer história que se pareça demais com a vida real provavelmente será muito chata.
Desejamos mais que tudo, na verdade, suspender toda a racionalidade, e poder crer em coisas inverossímeis, como na história de um cirurgião plástico que sequestra o suposto estuprador de sua filha e, por meio de uma cirurgia de mudança de sexo, transforma-o em sua falecida mulher. Almodóvar nos faz comprar isso e chorar.
Aceitamos a história de um ex-militante antinazista que, após uma desilusão amorosa, se muda para o Marrocos e abre um bar. Anos depois, de repente, a grande paixão de sua vida irrompe ali, agora casada, desenterrando todo o passado. Tudo isso somente para que, no final, ele abra mão dela por uma grandeza de espírito que só um personagem de Humphrey Bogart teria, apesar de sua casca de cinismo. Nada mais inverossímil. Qualquer dose de razoabilidade sugeriria que, mesmo cientes de que sua relação estaria fadada ao fracasso, pois não suportariam a culpa de seu gesto, Ilsa e Rick ficariam juntos sem medir as consequências (eu teria feito isso no lugar deles).
A verdade é que quando chegamos a avaliar a qualidade de um roteiro por meio de frases como: “mas eu nunca faria isso” ou “você nunca acreditaria nisso”, o questionamento da verossimilhança é mero sintoma de problemas mais profundos. É o rompimento do contrato, a falha em dar ao espectador o que se promete – sentido – que o faz buscar na ausência de verossimilhança o fracasso do filme.
Quando a narrativa não emociona, a falta de realismo é o primeiro problema a saltar aos olhos. Recusamo-nos a submergir no mundo da história e passamos a analisar o filme pelo lado de fora. Diante de outro contexto emocional ou da presença de sentido, entretanto, aceitaríamos provavelmente sem questionar a mesma situação implausível.
A vida, afinal, é inverossímil.
Discussão
Nenhum comentário ainda.